sábado, 14 de abril de 2012

O fumo e os carros particulares

Alguns dos meus amigos da vida real - que é aquela que não vivo na internet - andam indignados porque o Governo português se prepara para multar os adultos que dentro de um carro com crianças fumem (cigarros, cachimbos, charutos, etc).

Aparentemente, para eles - e para os amigos que com eles concordam fazendo améns - é mais importante a própria liberdade de fumar que o direito de cada criança deste país de não ser fumadora e de não se arriscar a - na pior das hipóteses - morrer com um cancro. Ironizam, como se o fumo passivo fosse brincadeira de crianças, que a seguir o governo vai proibir as crianças de comer Mc Donalds, entre outros exemplos dados.

Ora, além de qualquer nutricionista facilmente nos explicar que comer no Mc Donalds pode não ser problemático se substituirmos as batatas fritas por saladas, as sobremesas por frutas e se evitarmos ao máximo o pão - mais ainda, se as refeições aqui não forem frequentes - então temos já uma primeira falácia. Mas isto vai mais além: uma criança pode ser educada para não querer comer Mc Donalds, pode até tornar-se vegan, mas se viver num ambiente de fumo os riscos que corre são mais que muitos.

Porque no Facebook me calei sobre o tema, de modo a não perder num só mês todos os amigos que tenho na vida real, vou aqui tentar desmontar as ideias pré-concebidas que por aí andam. Antes de mais: eu já fumei, mas nunca fumaria fumaria dentro de casa com um filho, logo muito menos fumaria dentro de um carro com uma criança. Isto porquê? Porque sei que o fumo passivo é prejudicial e, também, que as crianças são mais frágeis que os adultos. Adiante, que os meus amigos - os que fumam - agem da mesma forma que eu agiria. Vão à varanda, não fumam no carro, etc. Mas acham mal que quem fume num carro com uma criança seja multado.

Presumo que seja um resquício de anarquia incorporada, ou talvez um sentimento de revolta contra o Governo (também o sinto, mas não por esta razão), mas desconfio também que é, sobretudo, uma grande lacuna ao nível da reflexão. Afinal, quem é um defensor dos direitos das crianças, de uma vida o mais natural possível, só por distracção pode não se ter apercebido de que não é nada má ideia multar os adultos que, dentro de carros, fumem ao pé de crianças. Antes de mais porque fumar ao pé de crianças é mau para as crianças, mas também porque é um mau exemplo. Pior ainda: conduzir e fumar ao mesmo tempo pode ser perigoso - bem me lembro eu do dia em que deixei cair um cigarro aceso e enquanto o procurava conduzi com a ajuda de Deus, pois nem para a estrada conseguia olhar, com medo de um incêndio a bordo.

Como a minha opinião não conta nada, socorro-me, pois, de dados oficiais. A Organização Mundial de Saúde, por exemplo, que tão citada é quando convém, concluiu recentemente que 40 por cento dos fumadores passivos no Brasil (para Portugal, penso, não existem dados) são crianças. Qual o mal?

O portal de saúde brasileiro explica:
A absorção da fumaça do cigarro por aqueles que convivem em ambientes fechados com fumantes causa:

1 - Em adultos não-fumantes:

• Maior risco de doença por causa do tabagismo, proporcionalmente ao tempo de exposição à fumaça;
• Um risco 30% maior de câncer de pulmão e 24% maior de infarto do coração do que os não-fumantes que não se expõem.

2 - Em crianças:

• Maior freqüência de resfriados e infecções do ouvido médio;
• Risco maior de doenças respiratórias como pneumonia, bronquites e exarcebação da asma.

3 - Em bebês:

• Um risco 5 vezes maior de morrerem subitamente sem uma causa aparente (Síndrome da Morte Súbita Infantil);
• Maior risco de doenças pulmonares até 1 ano de idade, proporcionalmente ao número de fumantes em casa.

Se um adulto, depois de ler estas informações, continuar a achar que não tem mal fumar ao pé de uma criança, sou o primeiro a defender que a pena de multa é má ideia. Mais adequada seria, eventualmente, a de prisão.


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Já desistimos, perdemos, fomos derrotados

Circulo no meu carro de olhos relativamente abertos e mais uma vez percebo que desistimos. Portugal desistiu de Portugal. Os portugueses desistiram do português.
Toda a juventude ouvi o meu avô queixar-se dos apresentadores de televisão que diziam esgótos em vez de esgotos; mólhos dos bifes em vez de molhos dos bifes; corrimões em vez de corrimãos e nessa altura mal conseguia perceber o desespero do senhor.

Se ainda fosse vivo - e já partiu em 1998 - o meu avô não resistiria ao que vamos vendo - e ouvindo; não sobreviveria ao acordo ortográfico, estou certo, mas acabaria por dar razão a quem lhe dissesse que se ao menos o acordo fosse respeitado o Portugal nem estaria assim tão mal.
Hoje já há dicionários que admitem a possibilidade de evacuar pessoas (quando evacuar é utilizado para dizer esvaziar, aplicando-se a locais e a situações de emergência - a praça foi evacuada devido a ameaça de bomba significa que a praça foi esvaziada de pessoas, pelo que evacuar pessoas passa por imaginar uma baleia gigante a defecar alguém ou em alternativa o Estripador a fazer um part-time por aí); e há jornais que admitem ser possível falar em medidas (como se as medidas fossem um local onde estivessem), em vez de falarem DE medidas.

Por outro lado, ninguém parece saber que quando é necessário fazer algo, diz-se que temos DE fazer, já que ter que se aplica a possuir. Explico melhor: tenho de ser rápido nas compras, pois tenho muito que estudar. Aqui está mais bem explicado. E digo mais bem de propósito, pois agora há quem ache que está melhor explicado. Se quiserem saber porquê vejam aqui.

A dor suprema, no entanto, chegou-me há dias - no tal dia em que circulava de carro com os olhos relativamente abertos e deparei com um anúncio da Opel que dizia: "Está na hora do seu Opel voltar a casa". Tendo o anúncio custado, obviamente, uma fortuna, irrita-me que nem os criativos nem o cliente saibam que se escreve "está na hora de o seu", sim, "de o" não é sempre o mesmo que "do". E agora socorro-me de outra fonte para explicar.

Claro que há aqueles que não sabem que já falámos muito melhor, acreditando, como escrevem, que já fala-mos bem. Esses são os que dizem: "estives-te bem", achando que faz sentido.

A mim, que assisto a tudo como um velho marreta, apetece-me continuar a dizer, até à exaustão, que desistimos. Do português e de Portugal. E o mais grave é que já nem os professores, nem os jornalistas - que são, em última análise - o bastião da língua parecem preocupar-se. Porque também não sabem.

Desculpem o desabafo, mas é triste ver que até a língua nos levam.