sexta-feira, 6 de abril de 2012

Já desistimos, perdemos, fomos derrotados

Circulo no meu carro de olhos relativamente abertos e mais uma vez percebo que desistimos. Portugal desistiu de Portugal. Os portugueses desistiram do português.
Toda a juventude ouvi o meu avô queixar-se dos apresentadores de televisão que diziam esgótos em vez de esgotos; mólhos dos bifes em vez de molhos dos bifes; corrimões em vez de corrimãos e nessa altura mal conseguia perceber o desespero do senhor.

Se ainda fosse vivo - e já partiu em 1998 - o meu avô não resistiria ao que vamos vendo - e ouvindo; não sobreviveria ao acordo ortográfico, estou certo, mas acabaria por dar razão a quem lhe dissesse que se ao menos o acordo fosse respeitado o Portugal nem estaria assim tão mal.
Hoje já há dicionários que admitem a possibilidade de evacuar pessoas (quando evacuar é utilizado para dizer esvaziar, aplicando-se a locais e a situações de emergência - a praça foi evacuada devido a ameaça de bomba significa que a praça foi esvaziada de pessoas, pelo que evacuar pessoas passa por imaginar uma baleia gigante a defecar alguém ou em alternativa o Estripador a fazer um part-time por aí); e há jornais que admitem ser possível falar em medidas (como se as medidas fossem um local onde estivessem), em vez de falarem DE medidas.

Por outro lado, ninguém parece saber que quando é necessário fazer algo, diz-se que temos DE fazer, já que ter que se aplica a possuir. Explico melhor: tenho de ser rápido nas compras, pois tenho muito que estudar. Aqui está mais bem explicado. E digo mais bem de propósito, pois agora há quem ache que está melhor explicado. Se quiserem saber porquê vejam aqui.

A dor suprema, no entanto, chegou-me há dias - no tal dia em que circulava de carro com os olhos relativamente abertos e deparei com um anúncio da Opel que dizia: "Está na hora do seu Opel voltar a casa". Tendo o anúncio custado, obviamente, uma fortuna, irrita-me que nem os criativos nem o cliente saibam que se escreve "está na hora de o seu", sim, "de o" não é sempre o mesmo que "do". E agora socorro-me de outra fonte para explicar.

Claro que há aqueles que não sabem que já falámos muito melhor, acreditando, como escrevem, que já fala-mos bem. Esses são os que dizem: "estives-te bem", achando que faz sentido.

A mim, que assisto a tudo como um velho marreta, apetece-me continuar a dizer, até à exaustão, que desistimos. Do português e de Portugal. E o mais grave é que já nem os professores, nem os jornalistas - que são, em última análise - o bastião da língua parecem preocupar-se. Porque também não sabem.

Desculpem o desabafo, mas é triste ver que até a língua nos levam.

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