sexta-feira, 23 de março de 2012

Saudades da minha terra

Cresci numa terra pacata, na qual eu e os meus amigos saíamos à rua e nos juntávamos, todas as tardes, no largo onde agora funcionam os correios. Miúdos, era isso que éramos. Muito miúdos. Tanto que sonhávamos que podíamos ser Franklim, Realista, Vítor Hugo, Vítor Bruno. Já nem íamos às glórias mais antigas do hóquei em patins. Afinal, nem patins tínhamos. E nem patinar sabíamos. Sérios, isso sempre fomos. Fazíamos balizas de hóquei em madeira, com sacas de batata a fazerem de rede. Inventávamos sticks, que invarialvelmente se partiam a cada jogo mais disputado, e o cúmulo da sofisticação era mandar um carpinteiro cortar um stick só para nós - para se partir um mês depois, em meses de sorte.

Voávamos nos patins imaginários e nem nos lembrávamos do jogo de futebol que haveríamos de jogar no dia seguinte, no velhinho campo pelado lá da nossa rua, com os vizinhos da rua de baixo. Vá, o campo até era na rua deles, mas naquela altura, o nosso bairro era a nossa rua. E mesmo quando nos zangávamos a sério, não deixávamos de pensar no jogo da semana seguinte.

Na minha terra, que era o espelho da minha rua, o sapateiro, o merceeiro, o condutor de autocarro, o barbeiro, todos, mas mesmo todos, nos conheciam. Andávamos por lá. Ríamos, brincávamos. Conseguimos ser miúdos. Mais tarde inventámos bandas musicais, como nomes do género "o Falecido Poder e os Outros", mesmo sem sabermos tocar um único instrumento. E, minimalistas, chegámos a compôr o que, acreditámos, poderia bem vir a ser um hit. Alternativo, claro.

Na minha terra, havia um polícia. Era o pai de um de nós e era um homem bom. Ontem - há umas horas - vi polícias, pais de outros miúdos - baterem em pessoas na rua. Pessoas que, como nós, só querem uma vida em que os filhos possam andar na rua a sonhar que são jogadores seja do que for. E hoje tive saudades da minha terra. Aquela que ainda existe, mas que já não reconheço.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Encaixadas